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Gregório José

O TEMPO, ESSE SENHOR CANSADO

Sáb, 12 Abril de 2025 | Fonte: Gregório José


O tempo, meus caros, já foi um deus.
Em tempos de deuses e mitos, o tempo era Cronos — e comia os próprios filhos por medo de ser superado. Não deixa de ser curioso que ainda hoje o tempo nos devore com a mesma fome. Mas não com dentes de titã. Ele nos rói em toques de tela, vibrações de notificação e pequenas distrações que nos parecem nada — e são tudo.

Newton, de seu pedestal newtoniano, afirmava com a solenidade dos homens sérios: o tempo é absoluto. Um rio reto, constante, que corre com indiferença a qualquer sentimento humano. Já Einstein, que era mais poeta do que físico (não se deixem enganar pelos cabelos), jurou que o tempo é um malandro: estica, encolhe, dobra nas esquinas do espaço. E Karl Marx, de sua janela empoeirada, via o tempo como patrão disfarçado — um chicote sem cabo, batendo invisível nas costas de operários.

Mas e agora? O que é o tempo agora, neste exato minuto em que você, leitor distraído, se perde nesta crônica enquanto deveria estar respondendo aquele e-mail urgente?

O tempo, hoje, é uma moeda sem rosto, entregue nas mãos da distração.
Roubamos dos patrões, sim — não com greves ou revoluções — mas com scroll infinito.
Cinco minutos no Instagram, três no WhatsApp, dois no TikTok, mais sete lendo comentários alheios sobre a vida de quem nunca veremos. E pronto: meia hora evaporou-se como perfume barato no vento.

E ao contrário do tempo roubado pelas elites, que se esconde nos paraísos fiscais, o tempo que roubamos é um furto em vão. Não se acumula, não rende juros, não nos salva. Apenas se dissipa. Um minuto por vez. Um like por vez.

O escritório moderno é uma zona franca de devaneios. Trabalha-se com planilhas abertas e a mente vagando pelas ilhas gregas do Pinterest. Há quem passe horas decidindo a foto do café da manhã, enquanto o relógio, impiedoso, ri de nossa ilusão de controle. Até no trânsito, senhores! O carro freia, e o motorista, em vez de frear também a ansiedade, aproveita para espiar se a influencer do momento já postou a nova dieta da lua minguante.

Perdemos o tempo de viver porque não suportamos mais viver no tempo real.
Esse tempo cru, esse tempo sem filtros, sem memes, sem curtidas.

_ Ah, Gregório José, e você? - Perguntaria alguém, atrevido.
_ Eu?
Eu, meus amigos, ainda tento conversar com o tempo. Pego ele pela gola, às vezes. Outras, ele escapa entre meus dedos, como versos que não se deixam escrever.

O tempo hoje não é absoluto, nem relativo, nem opressor. É distraído.
E talvez, nesse mundo onde tudo chama atenção, o verdadeiro revolucionário seja aquele que consegue, por alguns minutos que sejam, sentar-se consigo mesmo — e apenas estar.

Sem tela, sem pressa, sem pose. 
Só ele, o tempo, e o silêncio.

Correio de Corumbá

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